Eduardo Carvalho

O estado da coisa

Uma das pessoas mais inteligentes que conheço resumiu muito bem a situação da literatura brasileira contemporânea: "ok, nao tenho lido mta coisa publicada no Brasil, mas Chico Buarque e Maria Rita Kehl os melhores livros de 2010 diz tudo sobre o zeigeist".

Carpeaux, Maugham e nenhum dos seus discípulos

“William Somerset Maugham passa o octogésimo sexto ano da vida em sua vila em Antibes, bebendo martíni e olhando as ondas azuis do Mediterrâneo. Velho, rico e sozinho no mundo, já não precisa nem pretende escrever contos. Declarou-o mesmo. Mas uma ou outra vez é difícil resistir à tentação, quando uma revista americana lhe oferece 10 mil dólares por uma short-story de página e meia. E então ressurge, infalivelmente, a fúria dos críticos, denunciando-o por ter traído a arte a chamando-o de subliterato. Um escriba superficial, dizem, bajulando o gosto do público. O público, por sua vez, adora Maugham. É um dos escritores mais lidos -- senão o mais lido -- do século XX. Explica-se esse fato pela grande habilidade técnica do autor, que se confessa discípulo de Maupassant e outros contistas franceses.”

Otto Maria Carpeaux, no parágrafo de abertura de seu ensaio “A verdade sobre Maugham”, publicado no Estado de São Paulo em 1960 e incluído no segundo volume dos seus Ensaios reunidos. Porque nós adoramos Maugham e Carpeaux, e não encontramos hoje nenhum de seus discípulos.

Sobre o feriado

Li hoje alguns ensaios de O tempero da vida, de Chesterton, e gostei de um deles especialmente: “Sobre os feriados”. Minha opinião sobre esse assunto mudou muito depois de ler Esperando o fim de semana, em que Chesterton, aliás, é citado várias vezes. Resumidamente, o que ele defende é que o descanso seja respeitado de forma quase sagrada, sem interrupções: “Restrinja a liberdade em relação ao tempo; restrinja-a em relação ao espaço; mas não a restrinja em relação à qualidade. Se você der a alguém três segundos de feriado -- então, por todos os resquícios de seu arrunido senso de horna, deixe-o sozinho por três segundos”. Obrigado.

15 filmes, 15 livros, 15 minutos

Fiz estas duas listas recentemente para uma brincadeira ano Facebook, convidado pelo Alexandre: o objetivo era listar, em 15 minutos, os filmes que mais me marcaram. Alguém estendeu a idéia para livros, e fiz minha lista também. Seguem as duas aqui.

15 filmes

• Janela indiscreta
• Indiana Jones (como se todos fossem um filme só) 
• The Darjeeling Limited
• O Império do Sol  
• Se meu apartamento falasse
• Barry Lyndon
• Fitzcarraldo
• Night on Earth
• Match Point
• In the Company of Men
• Meu pé de laranja lima
• Apocalypse Now
• Domicilio conjugal
• Antes do amanhecer

15 livros

• O fio da navalha, W. Somerset Maugham
• Minha formação, Joaquim Nabuco
• The Education of Henry Adams, Henry Adams
• Retrato de uma senhora, Hanry James
• As aventuras de Huckleberry Finn, Mark Twain
• Moby Dick, Melville
• Com o diabo no corpo, Raymond Radiguet
• A idade viril, Michel Leiris
• Contraponto, Aldous Huxley
• O cortesão, Baldesar Castiglione
• Juventude, Conrad
• Peer Gynt, Henrik Ibsen
• No caminho de Swann, Proust
• Terra dos homens, Saint-Exupéry
• O afeto que se encerra, Paulo Francis

@michellaub: "Qual livro brasileiro você gostaria que fosse escrito?"

Michel Laub fez uma boa pergunta para críticos e jornalistas e publicou no seu blog: "Qual livro brasileiro você gostaria que fosse escrito?". Gostei das respostas deste primeiro post e espero que a série -- assim como a de escritores e suas manias quando escrevem -- vá longe. Achei especialmente boas as sugestões do Almir Freitas de um livro sobre Homem Comum Brasileiro, desde que não seja oprimido, desiludido e que saia do quarto; da do Jonas Lopes, que sente falta de um Balzac paulistano; e da do Ítalo Moriconi, que gostaria de ler "a saga do indigenismo e/ou antropologia brasileira". A do Polzonoff é engraçada: "seria interessante ler as aventuras de um adolescente criado em Alphaville numa jornada para encontrar o paradeiro do Anel Tupiniquim". E a minha, que não sei se devia, também está lá.

O Michel, aliás -- que sempre repito que é o escritor brasileiro que mais gosto de ler e que, curiosamente, se enquadra em vários pontos deste manifesto --, entrou agora no Twitter.

Manifesto particular contra uma certa literatura brasileira contemporânea

Eu não leio mais escritor brasileiro que:

1. Reclame que escritor brasileiro não tem espaço na "grande imprensa", que a crítica literária pega no seu pé e/ou que brasileiro não lê.
2. Tenha mais de cinco tatuagens.
3. Tenha mais de 75% dos amigos que de qualquer forma estejam ligados a alguma forma de arte.
4. Publique resenha elogiando o livro escrito pelo seu companheiro de bar.
5. Use em suas eventuais críticas literárias e/ou entrevistas palavras como metalinguagem, capitalismo, Bukowski, etc.
6. Se sinta incluído em qualquer tipo de "Geração" ou espécie de "Movimento".
7. Frequente toda semana lugares como Mercearia Não-sei-o-que e/ou bares na Rua Augusta.
8. Escreva livros em que o protagonista seja um escritor sem inspiração.
9. Repita em quase todas as suas crônicas o nome do bairro em que mora.
10. Elogie ao mesmo tempo esses seriados que todo mundo assiste e filmes que ninguém assiste só pra mostrar -- de uma forma muito previsível -- como a sua noção de entretenimento é imprevisível.

Os dois ou três que sobraram, porém, continuo lendo com muito interesse e, espero, algum prazer.

Uma tecnologia revolucionária

Sir Richard Francis Burton e a idéia de viagem

Tenho lido regularmente, antes de dormir, um capítulo da biografia que Edward Rice escreveu do Richard Burton (o explorador, sempre é bom lembrar, e não o ator). No meio dela, encontrei uma passagem maravilhosa do diário de Burton:

"Um dos mais alegres momentos na vida humana, penso eu, é a partida para uma viagem distante para terras desconhecidas. Lançado fora, num impulso vigoroso, os grilhões do Hábito, o peso de chumbo da Rotina, o manto de muitas Preocupações e a escravidão do Lar, a pessoa se sente novamente feliz. O sangue corre com a rapidez da infância. Uma viagem, de fato, fala à Imaginação, à Memória, à Esperança -- as três irmãs Graças de nosso ser moral."

Qualquer semelhança com a abertura de Moby Dick é, imagino, mera coincidência.

Sobre psicanálise e mulheres

“Uma mulher que cai nas mãos de um psicanalista torna-se, definitivamente, imprópria a qualquer uso, conforme muitas vezes constatei. Esse fenômeno não deve ser considerado um efeito secundário da psicanálise, mas justamente o seu objetivo principal. Sob a cobertura da reconstrução do ego, os psicanalistas estabelecem, na realidade, uma escandalosa destruição do ser humano. Inocência, generosidade, pureza… Tudo isso é rapidamente moído por essas mãos grosseiras. 

Os psicanalistas, fartamente remunerados, pretensiosos e estúpidos, aniquilam para sempre nos seus supostos pacientes qualquer aptidão para o amor, tanto mental quanto físico; comportam-se como verdadeiros inimigos da humanidade. Impiedosa escola de egoísmo, a psicanálise enfrenta, com o maior cinismo, bravas garotas, meio tapadas, para transformá-las em ignóbeis chatas, de um egocentrismo delirante, somente capazes de despertar um legítimo desgosto. Não se deve dispensar a menor confiança, em nenhum caso, a uma mulher que passou pelas mãos de um psicanalista. Mesquinharia, egoísmo, asneira, arrogância, ausência completa de senso moral, incapacidade crônica de amar: eis o perfil exaustivo de uma mulher ‘analisada’.”

Trecho de Extensão do domínio da luta, do Michel Houllebecq. Pelo Michel, que considerou "uma opinião sobre psicanálise e mulheres". A opinião, eu diria.

Folio Society e uma coisa que nenhum livro eletrônico vai resolver

Passei quase uma hora folheando o catálogo da Folio Society, que chegou esses dias com mais uma ou duas encomendas. É um deslumbre. Comecei a anotar os livros que gostaria de ler, mas de repente percebi marquei praticamente tudo. De qualquer forma, cinco que selecionei para um próximo pedido: The Best After-Dinner Stories, The Wind in The Willows, Lark Rise to Candleford, Venice e The Spy's Bedside Book. Não há Kindle que resolva.

Gimble é meu novo Kindle

Na semana passada ganhei um Gimble de presente. Ele é basicamente uma peça de plástico -- parece até um cabide pequeno -- que mantém o livro aberto enquanto você lê. Funciona, e é curioso que não seja mais popular e que, pelo que eu saiba, não tenha chegado ainda no Brasil. O Julio gosta de dizer que uma das maiores vantagens do Kindle é que você consegue ler com uma mão só. Concordo que essa praticidade -- normalmente desconsiderada na maioria das conversas sobre o assunto -- seja uma vantagem do livro eletrônico. Mas agora com o Gimble, talvez, não mais.

Na arena

Na semana passada participei do Man in the Arena, o videocast do Miguel e do Leo Kuba. Conversamos sobre Morten Lund no le Web'08, dieta de  informação, um pouco de literatura, CRMs, etc. Ainda bem que algumas piadas -- que não fui só eu que fiz -- foram cortadas na edição final. ;-)

James Salter e uma pessoa interessante

Alguém deixou, num comentário neste post, um trecho do que James Salter falou na FLIP do ano passado: "I think books are fabulous. But I don’t think you need to read them. You can live a wonderful life without ever opening a book. Sure, of course! Don’t you think so? What it really gives you is a look at the lives of others, and through that, somehow your own life is enriched. If you read them, good, I’m interested in you. If you don’t, you better have a lot of other things". Gostei.

Orson Welles lê Moby Dick

A abertura. Pelo Tyler Cowen; no Open Culture.

Um hábito desnecessário

Uma coisa que tenho feito muito ultimamente: ir ao cinema. Estou quase me convencendo de que a leitura é -- pelo menos em certos momentos da vida -- um hábito desnecessário.

Todo mundo em Wonderland

Em todos os lugares hoje encontro alguma coisa sobre Alice no país das maravilhas, por causa desse Tim Burton novo. Coloquei até a minha edição do livro aqui na cabeceira, para reler. Minha localização no Twitter, lá desde 2007, reparei agora, acho que nunca esteve tão a propósito. Me sinto assim menos sozinho.

Entrevista para o Entrelinhas sobre o Kindle

A entrevista completa pro Entrelihas sobre o Kindle, para quem gosta do assunto.

Sugestão de um intruso

“Certas coisas você deve ser sempre incapaz de agüentar. Certas coisas você nunca deve parar de se negar a agüentar. Injustiça e afronta e desonra e vergonha. Não importa se você é muito jovem ou se está muito velho. Nem por prestígio nem por dinheiro: nem por seu retrato no jornal nem pela sua conta no banco. Simplesmente se negue a agüenta-las.” 

É o que está escrito na contracapa de uma edição da Siciliano de O intruso, de Faulkner, de 1995, em que esbarrei agora por acaso. Uma boa sugestão.

Na praia

 

Da Julia Breckenreid, n'o silêncio dos livros; pela Mariana, no Twitter.

Antônio Cândido x Álvaro Lins

É muito bem escrita a introdução de Antonio Cândido à quinta séria do Jornal da Crítica de Álvaro Lins, publicado em 1947. O estilo de Antonio Cândido é ponderado, equilibrado. E, ainda assim -- e apesar da distância ideológica entre os dois --, também muito elogioso : “creio poder dizer que é o maior crítico de ficção que já apareceu no Brasil”. Agora, aliás, procure qualquer coisa do Álvaro Lins nas nossas maiores livrarias: infelizmente você não vai encontrar nada.

É muito bonita, insisto, a elegância com que as suas diferenças são tratadas no texto. A principal delas, a propósito, em determinado momento é exposta por Antonio Cândido com bastante precisão: “Para eles [católicos], o problema se coloca, antes de mais nada, em termos de destino pessoal e se resolve, se me permitem, com medidas de pedagogia: mudar o homem, para que mude a sua existência. Para nós [marxistas], o destino pessoal, não se prolongando em perspectivas metafísicas, deve ser resolvido com medidas de organização social: mudar a existência para que o homem mude”. 

Espero que hoje – em 2010 -- tenhamos passado por experiências políticas suficientes para concluirmos o que faz mais sentido.

Seis meninas, uma cerveja e um baseado

Estou lendo Golpe de ar, do Fabricio Corsaletti -- cujo título, aliás, é ótimo. O livro é curto e tem uma história simpática: a de um cara de mais ou menos trinta anos que, depois de três meses sem fazer nada em Buenos Aires, no quarto mês está rodeado de seis universitárias em férias. É uma situação realmente agradável. E o texto -- apesar de confuso em certos momentos -- é em geral fluente e tem boas sacadas: "Pensei que no dia seguinte seria feliz -- mas se não fosse também estava bom". 

O que incomoda um pouco é o tom confessional do livro. E digo tom porque não sei se de fato o que está descrito aconteceu -- e nem acho que isso importa. O problema é que esse protagonista poeta, boêmio, urbano e deslumbrado, aos trinta anos, com universitárias só porque assistiram Godard e fazem análise, me parece óbvio e sem graça demais. Daí -- do fato desse personagem ser pouco interessante -- derivam os piores momentos do livro --, que se repete em bares e festinhas com o espírito desta frase: "A gente levava as cervejas; ela tinha o baseado".

Uma entrevista sobre o Kindle

 

Achei mais legal ver todo mundo brincando com meu aparelho, que, aliás, acabou de voltar da praia. E gostei muito, pra variar, dos pontos do Pedro Doria.

Elogio a um canibal

Estou lendo com calma Moby Dick, de Melville, e ando cada vez mais bem impressionado com a personalidade de Queequeg. Alguns trechos que me marcaram mais: 

• Quando, por fim, se fez luz em seu cérebro sobre quem era seu companheiro de cama, e, de certo modo, ele se resignou com o fato, saltou da cama para o chão e, usando sinais e ruídos, fez-me entender que se a idéia me agradasse ele se vestiria primeiro e deixaria o quarto para eu me vestir depois. Dadas as circunstâncias, achei a proposta de Queequeg muito civilizada; digam o que quiserem, mas a verdade é que os selvagens tem um senso inato de delicadeza; é maravilhoso como são polidos nas questões essenciais. 
• Seu maior admirador não teria conseguido justificar o fato de ele ter trazido o seu arpão no café da manhã sem cerimônia; cruzando a mesa, sem atentar para o iminente perigo às cabeças, e com ele espetando os bifes. Mas isso ele o fazia com muita calma, e todos sabem que, no gosto geral, os gestos feitos com calma são considerados sinais de elegância.
• Embora fosse um selvagem, com horrendas marcas no rosto -- na minha opinião, pelo menos --, suas feições tinham contudo algo que não era de modo algum desagradável. Através de todas as suas tatuagens sobrenaturais, pensei ter visto traços de um coração simples e honesto; e em seus olhos grandes e profundos, de um negro vívido e audaz, lampejava uma coragem capaz de desafiar mil demônios. E além de tudo isso o pagão tinha uma certa altivez na postura, que nem mesmo sua incivilidade conseguia atrapalhar. Parecia que nunca tinha se curvado diante de alguém, nem tido credores. (...) Queequeg era uma versão canibal de George Washington. 
• Também tinha notado que Queequeg nunca, ou quase nunca, se juntava aos outros marinheiros da estalagem. Não tomava nenhuma iniciativa; parecia não desejar aumentar o círculo das suas relações. Tudo isso me parecia muito estranho; mas, pensando melhor, havia algo de sublime nisso. Era um homem que estava a mais de vinte mil milhas de sua terra, a caminho do Cabo Horn -- que era o único caminho para chegar lá --, jogado no meio de pessoas que para ele eram tão estranhas quanto se estivesse no planeta Júpiter; e, ainda assim, ele parecia bem à vontade; preservando ao máximo sua serenidade; satisfeito com sua própria companhia; sempre igual à si mesmo. 

Queequeg me deixa com vergonha dessa situação mais ou menos civilizada em que vivemos.

Kindle 2, algumas impressões e por que o Ziraldo não vai gostar dele

Estou há uma semana com esse Kindle novo e adorando. É incrível como ele é fácil de usar -- ele já sai da caixa funcionando -- e a tela realmente aguenta horas de leitura. A discussão agora não me parece mais "se o livro digital vai substituir o de papel", etc. Em parte, ele já substituiu. Muita gente já deixou de comprar livros de papel para lê-los no Kindle e uma geração inteira está crescendo sem o mesmo apego que nós temos ao livro impresso. 

E isso não é necessariamente uma pena. Porque -- para quem gosta de papel -- o livro impresso não vai desaparecer assim tão rápido. Muita gente ainda vai continuar lendo só assim por muito tempo, e o custo da impressão personalizada, que só cai, vai nos ajudar a manter esse hábito. Eu mesmo, por exemplo, elogio o Kindle, mas não me imagino lendo Guerra e Paz nesse formato -- por enquanto, pelo menos. 

Leio no Kindle livros menores e que quero começar a ler imediatamente. Não acho que a leitura digital é um passo ao fim da literatura ou do hábito da leitura mais concentrada; ao contrário: pela minha primeira primeira semana com o Kindle, só acho que ele abre mais opções à ela. 

Algumas observações/ comentários sobre o Kindle 2: 

• A tela é fosca e a letras são praticamente impressas nela. É uma leitura bem confortável. 
• O botões melhoraram muito com relação à primeira versão, em que se mudava a página sem querer. Mas o teclado é uma porcaria -- não sei até que ponto intencionalmente. 
• É muito rápido baixar qualquer livro, pela Amazon ou pelo próprio aparelho. Ele já sai ligado à rede de celular -- 3G -- e baixa em segundos o livro que você escolher. 
• A opção de baixar samples -- em que você baixa o primeiro capítulo ou, dependendo do livro, um prefácio de graça -- é muito útil. Baixei uns 15 nesta primeira semana antes de comprar um ou outro: The Black Swan e Fooled by Randomness, do Nassim Taleb; Twilight in Italy , do D. H. Lawrence; The Entire Memoirs Of Cardinal De Retz ; The Lives and Adventures of All the Most Notorious Pirates; The Starfish and the Spider ; etc. 
• O livro que mais li no Kindle até agora deve ter sido How to Think About the Great Ideas, do Mortimer Adler. 
• Não cadastrei nenhum blog nem jornal no Kindle ainda. O Globo, aliás, está lá, como único jornal brasileiro disponível no aparelho.
• Não dá pra assinar do Brasil ainda a The Economist e a The New Yorker , infelizmente. Me consolei com a assinatura da The Atlantic e a The Spectator . 
• O site de gerenciamento do Kindle, dentro da Amazon, é muito prático. 
• Dá pra ler arquivos em pdf. É só mandar o arquivo pro seu email @kindle.com que ele aparece quase na hora no aparelho. Mandei Helena, do Machado, que peguei no Domínio Público, e a reportagem da The Economist sobre o Brasil, da qual até agora só li pedaços. 
• Uma outra coisa muito prática é o dicionário de Oxford vem junto com o Kindle. É só deixar o cursor antes de uma palavra que o verbete aparece no rodapé na página. 
• Não usei muito o esquema de anotações, mas parece fácil e útil. 
• O browser do Kindle ainda não acessa nem a maioria dos sites listados no aparelho, como o da CNN. Mas acessa a Wikipedia, o que já é bastante coisa. 

Sempre quando ouço falar em livro eletrônico me lembro do Ziraldo no Roda Viva, em 1999. Um jornalista -- vejo agora que foi Antonio Rosa Neto -- perguntou o que ele acha do assunto. Ziraldo respondeu que não quer um porque livro eletrônico não tem cheiro, não tem marca de lágrima, não dá pra levar ao banheiro, etc. O jornalista disse que dá pra levar ao banheiro, ao que Ziraldo respondeu: "Mas não dá pra limpar a bunda".

Com o Kindle também não dá, mas também -- exceto o Ziraldo, considerando o que ele anda falando por aí -- acho que não é muita gente que consome livros com esse nível de intimidade.

Jorge Amado e Carpeaux trocam socos

Às vezes só assim eles se entendem, mesmo. (Pelo Bruno, que também tem uma boa opinião sobre... opinião.) 

Proust e as pessoas transparentes

O que mais me impressionou -- depois de passar uns três dias no mato, há uns dois anos, só lendo Proust -- é como as pessoas ficaram óbvias, transparentes, depois que saí de lá. Claro que, poucos dias depois, essa sensação acaba -- hoje já não entendo mais ninguém, de novo --, mas no primeiro momento esse efeito é impressionante: parece que você está flutuando num mundo em que tudo faz sentido. Pena que isso passa.

Uma citação

Logan Pearsall Smith,  num cartão da The School of Life.

"O segundo sexo" pela primeira vez

Só espero não ter começado a ler O segundo sexo tarde demais. Eu não sabia, mas está tudo lá. Talvez Simone de Beauvoir entenda mais do assunto até do que Eric Weber. Comecei pelo trecho sobre Stendhal, que é maravilhoso: "pelo fato de as coisas pretensamente importantes encontrarem-se fora de seu alcance, correm, menos do que o os homens, o risco de se alienarem nelas; têm maiores possibilidades de preservar essa naturalidade, essa ingenuidade, essa generosidade que Stendhal coloca mais alto do que qualquer outro mérito". É a bíblia.

Três grifos

• Sobre a amizade, Cícero. "Pois é aquele que mais confia em si mesmo, que mais conta com seu valor e sua sabedoria, de modo a não precisar de ninguém e a julgar que tem tudo em si mesmo, que mais consegue fazer amizades e cultivá-las. O quê? O Africano precisa de mim? De jeito nenhum, por Hércules! E eu, também, não precisava dele. Mas admirava o seu valor, e ele, por sua vez, tinha, certamente, alguma estima por meu caráter: assim nasceu a afeição, e nossas relações só fizeram a amizade crescer. Embora daí tenham advindo muitas e importantes vantagens, a nossa afeição não nasceu da esperança de as obter."
• A invenção da solidão, Paul Auster. “Uma coisa é um homem, por engano, dirigir seu carro para a casa antiga, mas é algo bem diferente, eu creio, ele não reparar que as coisas mudaram dentro da casa. Mesmo a mente mais cansada ou distraída preserva um reduto de reações puras, animais, e consegue transmitir ao corpo a sensação do local onde está. Seria preciso estar quase inconsciente para não enxergar, ou pelo menos não sentir, que a casa já não era a mesma de antes. “O hábito”, como diz um dos personagens de Beckett, “é um grande entorpecente.” E se a mente é incapaz de reagir diante de uma evidência física, o que fará ao se confrontar com uma evidência emocional?”
• As avós, Doris Lessing. "E essas vidas eram de uma facilidade incrível. Pouca gente no fundo tem uma vida tão agradável, tão sem problemas, tão sem censuras: ninguém, nesse litoral abençoado, passava a noite acordado, chorando por seus pecados, ou por dinheiro, muito menos por comida. Que gente mais bem-apessoada, brilhante e suave de sol, de esportes e de boa comida. Poucas pessoas conhecem litorais assim, a não ser talvez por alguns dias de férias, ou por relatos de viajantes, qual sonhos. Sol e mar, mar e sol, e sempre o som das ondas quebrando na praia."

Todos d'O grifo é meu -- só com melhores momentos desse tipo.  Fiquei lá um tempão lendo tudo sem conseguir sair.

Bibliografia básica para um curso de Educação Sentimental

 Estou sentindo falta, então resolvi montar uma pequena bibliografia:

• Ensaios sobre o amor, Alain de Botton. A anatomia de uma relação contemporânea. 
• História íntima da humanidade, Theodore Zeldin. Como podem evoluir as soluções para os problemas mais particulares.
• Retrato de uma senhora, Henry James. Como a inocência pode desviar os melhores espíritos.
• Na praia, Ian McEwan. Como um pequeno momento pode decidir uma vida.
• Discurso sobre as paixões do amor, Pascal. Sobre o amor como um destino.
• A idade viril, Michel Leiris. Um exercicío muito profundo e sincero de auto-observação.
• Os sofrimentos do jovem Werther, Goethe. Onde as coisas podem parar.
• Com o diabo no corpo, Raymond Radiguet. Uma descrição muito detalhada de mais ou menos metade dos nossos sentimentos.
• Em busca do tempo perdido, Proust. Uma descrição muito detalhada de todos os nossos sentimentos.

Aceito sugestões.