Foi também numa sexta-feira véspera de carnaval, como hoje. Não importa quando. Eu cheguei no Rio num vôo de manhã. Chequei emails antes do almoço; almocei rápido e sozinho no shopping da Gávea; fui à tarde para a academia na Lagoa. Entre uma e outra atividade, dei alguns telefonemas: a maioria dos amigos já estava na cidade, outros chegariam mais tarde. Todos iam, à noite, para o bloco das Carmelitas, em Santa Tereza.
Eu fui também. Só que – por algum motivo hoje misterioso – fui tarde. E às dez horas, quando, do caminho, eu tentava encontrar meus amigos no celular, não encontrava ninguém – um não atendia, outro na caixa postal, etc. Mas tinha certeza de que nos acharíamos no meio da bagunça. Cheguei em Santa Tereza. Comprei uma cerveja. Achei aquela cena toda engraçada: todo mundo pulando e se abraçando suado, à noite. Não encontrei ninguém. Por outro motivo – que hoje também me é misterioso – decidi ir embora rápido.
Não sabia exatamente pra onde eu queria ir, mas provavelmente voltaria pra Gávea. Por enquanto, sabia que precisava descer aquele morro, e, sem pressa, comecei a descer andando. Comprei outra cerveja. Andei um quarteirão: e no segundo, a mais ou menos cinqüenta metros de mim, reparei que havia uma menina loira, provavelmente norueguesa, andando sozinha na minha frente. De costas, era perfeita; pode ser que fosse bonita. Na terceira quadra, numa descida mais íngreme, o ambiente começou a ficar sombrio: e havia ali na frente uma curva totalmente escura que me preocupou um pouco. Dois vultos apareceram lá embaixo, e pararam na esquina. A menina continuou andando. Não seria eu que iria parar.
Mas ela não andou muito mais. Parou. Olhou para trás. Só eu: o que pode não ser exatamente a visão do paraíso, mas talvez tenha a assustado menos do que a situação que a esperava em frente. Quando cheguei mais perto, ela me perguntou, tímida, com um sotaque discreto, “e aí, o que você acha, dá pra passar por ali?”. Eu disse que era melhor descermos de táxi, que eu iria pegar um ali em cima, e que ela poderia vir comigo. Não sei se, considerando a minha resposta, ainda vale a pena dizer: mas, sim, ela era muito bonita. E aparentemente gostou do meu convite. Ou pelo menos não o achou tão assustador quanto descer de Santa Tereza andando à noite, sozinha.
Fomos até o taxi conversando. Ela era norueguesa mesmo, e estava no Rio há mais ou menos três meses, num intercâmbio pela faculdade. Estudava literatura lá e veio aprender português aqui – e dava aula de algum tipo de instrumento musical. Estava morando na Glória. Fomos conversando, no banco de trás, enquanto descíamos aquelas ruas tortas – agora a princípio mais seguros. Chegamos muito mais rápidos do que eu gostaria que o trajeto durasse. Perguntei se ela não queria jantar comigo no Leblon, mas ela insistiu que precisava ficar ali. Podíamos então, ela sugeriu, se eu quisesse jantar, descer no Largo da Glória mesmo, e continuaríamos conversando. Em cinco minutos, eu estava apaixonado.
Saímos do táxi. Entramos no primeiro boteco aberto que encontramos e sentamos no balcão. Ele estava quase vazio, com duas ou três mesas ocupadas por motoristas de ônibus. Pedi um queijo quente e duas Cocas. Eu não estava com a menor fome – tinha comido antes de sair de casa – e nem com vontade de beber. Antes do sanduíche chegar, me lembro de que não estava acreditando naquilo tudo: há meia hora eu estava atrasado e perdido, voltando mais cedo pra casa numa rua escura. Agora estava ali, num boteco escondido no Largo da Glória, bebendo Coca-Cola, comendo queijo quente e ouvindo uma norueguesa linda me falar sobre Ibsen. Meus amigos não acreditariam quando eu contasse depois.
Ela não se expunha muito e eu também fui muito discreto. Talvez pela forma em que estava sentada, de lado para o balcão, de frente para mim, ou pela posição das suas mãos, que poderiam estar mais longe das minhas do que de fato estavam – por algum motivo, eu estava olhando pra ela e imaginando se um dia iríamos nos casar. E não sabia como ou se deveria dar um próximo passo nesse sentido. Mas, em outros momentos, achava que naquela hora a conversa estava mais interessante do que qualquer outra coisa que pudéssemos fazer juntos. Na dúvida, continuei tomando Cola-Cola.
Mais ou menos uma hora depois de entrarmos no bar, pedi licença e fui ao banheiro. Pensei em onde poderíamos ir quando saíssemos dali: se procurava de novo meus amigos, se iria com ela pra outro bar ou restaurante, se ela me convidaria pra sua casa. Atravessando o bar, agora com só uma mesa ocupada, voltei do banheiro pensando nisso, talvez sorrindo e muito feliz.
Cheguei na ponta do balcão em que estávamos sentados. Ela não estava mais lá. O garçom apontou alguma coisa na mesa pra mim: “Olha, ela deixou isso aí pra você”. Era um guardanapo com o nome de quatro ou cinco escritores noruegueses e duas frases: “Estava ótimo. Me desculpe”.
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