Gay Talese e Antonio Lobo Antunes deram duas aulas de literatura ontem na FLIP. Talese falou sobre a origem da sua curiosidade, ou de quando teve consciência dela pela primeira vez: enquanto ouvia a sua mãe conversando com amigas na loja de roupas que tinha em casa. Também foi interessante ele contando sobre a divisão que havia na sua casa: os pais eram americanos de dia -- enquanto recebiam clientes -- e italianos à noite, em família. Isso lhe ensinou que as coisas não são exatamente o que parecem num primeiro momento e que mesmo as pessoas mais simples têm uma espécie de verdade escondida, mais complexa.
Gosto dessa postura de Talese de buscar histórias na rua, no mundo real. Gosto de ouvi-lo falar sobre como pode ser dramática a vida da pessoa mais simples. Sua curiosidade parece infinita, e, segundo ele, foi o que lhe separou de outros escritores da sua geração: "eu era mais paciente. Ficava ali dias com aqueles pedreiros, vivendo com eles, e não me cansava daquilo". A literatura pode expandir nossa capacidade de entender o mundo, apurar nossa sensibilidade, mas ainda assim: é muito impressionante a variedade das coisas que estão espalhadas por aí. Me lembrei do Bernardo Carvalho: "a arte também serve para lhe mostrar um mundo em que você não se reconhece".
Mas essa postura de Talese com relação à literatura -- ou ao seu "jornalismo literário -- é também um pouco diferente de Antonio Lobo Antunes, que, no horário mais nobre da FLIP, deu uma aula magna de literatura para a platéia. No começo, me lembrei do Humberto Werneck, no primeiro dia da FLIP, que me disse que ia pegar um "casca grossa": Lobo Antunes ficava meio parado, travado enquanto Werneck o apresentava, e sinceramente pensei que o papo não fosse fluir. Nunca consegui ler um parágrafo dele e ainda desconfio que a sua literatura fosse recheada do que ele reclamou em Joyce -- o capricho pelo capricho -- e de Nabokov, que escreve como que falando: "olha como eu sou inteligente". Mas vários momentos da conversa me marcaram muito.
Lobo Antunes é um escritor muito -- se me permitem a expressão -- literário. (Ao contrário, por exemplo, de Gay Talase, de quem não me lembro citando influências na literatura.) Lobo Antunes citou Virgílio, Drummond, Cabral e uma série de poetas. Disse que antes de tudo um escritor tem que ler poesia, onde o peso da palavra é definitivo, e que não tem paciência pra prosa porque quer corrigir tudo. Contou que seu pai -- que ele pensou que nunca tivesse lido um livro seu -- deixou vários de seus livros escondidos, anotados, e uma carta pra ele de mais de 600 páginas. Também gostei da sua observação de que não existe o profundo, mas diferentes superfícies, e que uma vez, enquanto escrevia, percebeu de repente que estava chorando. Sua ambição literária é monstruosa: "sempre quis ser o melhor escritor do mundo", "só vale a pena fazer obra-prima", "quero mudar a arte do romance", etc. Você pode discordar de tudo e achar que Lobo Antunes nunca vai ser o escritor que pretende ser: mesmo assim, se você gosta de literatura, provavelmente vai gostar muito de assistir esta conversa.