Escrevi outro dia uma série de pequenos momentos em que estou sozinho em algum lugar, mais ou menos da forma como aconteceram. Não são momentos particularmente importantes ou decisivos; são situações quase irrelevantes, na verdade. Mas são nesses pequenos momentos solitários que vou me descobrindo.
Estava com alguns deles na cabeça e queria escrever para ver o que saia. A idéia original não era publicá-los aqui. Mas eles são inofensivos. E, entre outros textos dessa mesma categoria, neste blog pelo menos eles não ficam sozinhos.
Escrevi acho que uns dez pequenos textos. Aos poucos vou publicando esses e escrevendo mais. Seria legal saber o que acharam. Aqui vão três:
Budapeste, 2002. Chego na rodoviária às 6 da manhã, depois de uma viagem de 10 horas sentado ao lado de um cara de mais ou menos 140 quilos, num ônibus abafado. Não dormi à noite. Era fevereiro, estava frio e eu não tinha reservado nenhum lugar para ficar na cidade. Ia passar apenas um dia lá. Procuro meu guia na mochila e não acho. Intuitivamente, vou para o centro. Acho um hotel pequeno, durmo duas ou três horas e saio para dar uma volta pela cidade. À noite, meu avião falha antes de partir, e o vôo pra Zurique é transferido para o dia seguinte. Vamos de van para o Intercontinental. No bar do hotel, na beira do rio, encontro uma ou outra pessoa do vôo que não aconteceu, como um sanduíche, tomo uma Coca-Cola e volto para o quarto. Antes de dormir, deixo a minha botina do lado de fora para engraxar.
Colina, 1996. Acordo na fazenda dos meus primos, nas férias, com o rosto deformado, por causa de uma infecção num dente que tinha quebrado. Pego a camionete muito cedo, quase madrugada, antes de todo mundo acordar, para ir para um dentista em Barretos. Dou alguns telefonemas e organizo as coisas da estrada. Pago o pedágio com um pouco de vergonha daquele rosto. Chego em Barretos aliviado: numa camionete enorme, na estrada, de madrugada e com o rosto deformado, ninguém me parou para descobrir que eu ainda estava um pouco longe de completar 18 anos.
Niagara-On-The-Lake, 2000. Assisto duas peças do Shaw Fest no mesmo dia: à tarde, Peter Pan, e à noite alguma coisa de um escritor americano importante. Me lembro do cenário desta segunda peça: uma casa no interior dos Estados Unidos, numa região em que nevava muito. Saio, depois da peça, para jantar num restaurante da cidade. Várias mesas grandes, com amigos e famílias. Por algum motivo, presto atenção na garçonete. Tomo um sorvete de sobremesa, depois um café, e demoro um pouco para pedir a conta. Não sei se fui o último a ir embora. Não tinha quase ninguém na rua, às 11 horas, quando voltei andando para o meu bed & breakfest. Não estava com fome, mas comi o pêssego que estava no meu criado mudo. Só queria ficar um pouco mais acordado, lembrando de uma ou outra cena que me chamou a atenção no restaurante.